22 de junho de 2008

Monumento à

Ouro Preto, uma vila que não é rica somente em seu aspecto mineralógico, mas também na acumulação continua da ganância exploratória. Denominada o patrimônio histórico e cultural da humanidade, a cidade de Ouro Preto carrega no bojo dessa denominação o fruto de uma contradição que ainda é negligenciada: “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”.
O erro de nos servimos do conceito histórico de progresso, seguindo a tendência liberalista, é o de que ele leva em consideração unicamente a progressão infinita, rumo ao futuro, soterrando um passado que ainda é presente e que clama por auxílio. O espírito universal se apresenta a nós como um desarticulado amontoado de momentos, cuja obsessão é tão-somente a de acumular fatos.
O que se torna mais assombroso não são somente os fatos já ocorridos durante a exploração do ouro em Vila Rica, mas saber que eles “ainda” sejam possíveis. A transmissão dos dominadores ocorreu silenciosa, e os atuais “vencedores” servem-se de suas heranças para continuar a “espezinhar os corpos daqueles que estão prostrados no chão”. Atualmente, o ciclo de exploração da grande indústria metalúrgica ocupa o mesmo lugar que antes o governo colonial assumira, ou seja, a extração acentuada para manter a sua própria ganância. A característica principal das multinacionais aqui instaladas não parece ser outro senão deixar-nos a fumaça degradante que se confunde com a névoa noturna de Ouro Preto, além das imensas crateras, que se tornaram também as imagens cristalizadas da exploração de um lucro cujo objetivo é o de alimentar os fartos corpos da cobiça.
A população de Ouro Preto em sua maioria é herdeira das explorações outrora ocorridas no período de escravidão. O ouro cedeu lugar ao ferro, mas os descendentes dos escravos ainda vêem-se obrigados a vender sua força de trabalho para a indústria mineradora em troca de um salário que reflete o estado de exceção visto tanto nos distritos quanto nas proximidades da cidade de Ouro Preto. A renda média da população pobre permanece muito abaixo do mínimo necessário à manutenção de uma vida realmente sustentável e que dê conta de suprir todos os anseios promotores de uma vida digna ao ser humano. A escravidão, hoje, equivale à troca injusta por um salário que mal atende a questão da sobrevivência.
Por sua vez, a marginalização da população promovida historicamente é também acentuada pelo crescimento urbano não planejado que, aliado ao aspecto geográfico desta região oferece aos olhos nus a paisagem que foge da estilização barroca do centro histórico, qual seja, a das pequenas favelas aos arredores da cidade.
Com relação à política predominante na cidade, a transmissão do coronelismo persiste sobre o lombo daqueles que, por falta de acesso a uma educação adequada, acabam por assimilar inocentemente os restos que lhes são doados. Até mesmo os estudantes de nossa universidade parecem coadunar com a elite vencedora, utilizando-se de práticas assistencialistas com o único intuito de defender seus interesses obscuros.
Ouro Preto tornou-se tão-somente o patrimônio turístico da humanidade enquanto o seu aspecto histórico é silenciado em função de uma banalização, agenciada pela astúcia do turismo, que não promove outra coisa que o entulho de fotos digitais cujo único objetivo é o de registrar compulsivamente momentos inteiramente vazios. Todavia, Ouro Preto deve sim ser entendida como patrimônio histórico da humanidade, mas de uma humanidade que tem como herança um amontoado diverso de explorações que ainda perduram num grito tapado pela mão invisível da história.
Notar os ecos de vozes caladas, reconhecer os apelos do passado, sentir o sopro de ar das gerações anteriores, eis um projeto que traz em si uma nostálgica intenção que não se pode esquivar. O passado nos olha, cabe a nós, por fim, a ele direcionarmos os nossos olhos, basta que o notemos nas faces daqueles que herdaram o fardo do abuso.

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