3 de abril de 2008

Manifesto utópico-tolo-artístico

Chamam-me de o tolo autêntico, de um ingênuo quase criança. Pois que assim me chamem, nada me é mais prazeroso, pois continuarei a recusar ser um vivente de tal realidade; jamais me renderei à “vida” que se tornou vaga de sentido, crua e maquinal. Que me atormentem! Mas não cansarei de negar-me a cantar essa vida-quase-morta.

Ante a esses realistas que não aborrecem de me apontar; ante a esses que, ironicamente, vivem prisioneiros de sua temporalidade repetida, escutando os sons habituais e cotidianos do chato despertador pela manhã, do tic-e-tac alucinante durante o dia-a-dia e da imutável vinheta do jornal das oito; ante a esses míopes viventes, que não enxergam outra pintura senão a das fachadas de suas próprias casas, ante a esses, eu exclamo: prefiro teimosamente ser tomado como um tolo que a viver numa sociedade dos espetáculos onde, em todas as partes, só encontro espectadores passivos!

Chamam-me de tolo. Ora vejam! Por fazer das utopias a minha verdadeira realidade? Tolo, por desejar à humanidade aquele lugar único, onde a pintura transformaria o simples cotidiano em uma única mistura de várias cores, onde a mera existência temporal tornar-se-ia harmonia musical e a vida, por sua vez, tomaria o teatro como palco infinito, cheio de sentidos, perspectivas e expressões.

Tolo, utópico e caduco,

Tolo, por não ser igual

Utópico, por não ser real

E caduco, sei lá por quê.”

Contra os senhores defensores da pretensa realidade, manifesto-me: opto por continuar a ser um simples imaginador, junto a outros sonhadores, do que a viver essa realidade mórbida, destrutiva, crua, competitiva e individualista. E se tomam o meu sonho diurno como vago, resta-me então entoar as palavras sutis do velho e jovem poeta:

“Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que triste os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas.”

E que as fontes da utopia, ou da “tolice”, jamais se esgotem. E que essa sociedade utópica, ao qual eu vislumbro repleta de artes, invente-se em verdadeira realidade, plena de humanidade; nela não nos esqueceremos jamais que a capacidade de transformar a vida em arte é algo reconhecidamente humano. Ao final romperemos verticalmente a fria realidade: e que a nova experiência apareça, que o mundo espiritual e a função cósmica da utopia mantenham-se contra a miséria, a morte, e a frieza da técnica dos homens máquinas. Cabe a nós, humanos plenos, cuja luz ainda brilha, começarmos a fantástica jornada, a jornada da interpretação dos nossos sonhos acordados, buscando a totalidade do conceito utopia, onde a vida tornar-se-á finalmente o puro signo de nossa expressão, o puro signo do som de nossos anseios mais interiores.

2 comentários:

deivid junio disse...

thiago, muito bom seu texto.
um manifestopoema!
por estar em primeira pessoa
refoça ainda mais ao leitor uma proposta de reflexão sobre si mesmo, suas convicções... suas utopias. ao optar por "ser um simples e solitário imaginador, que a viver essa realidade mórbida, destrutiva", aí não posso me calar. sejamos simples assim como a terra e a água o são, mas não nos sintamos solitários... nos sintamos um coletivo...
um coletivo.

abr(aço)!

coletivo disse...

Justo Deivid... Agradeço por me atentar sobre aquilo que às vezes me sobressai, ainda que inconscientemente. Fiz as justas ressalvas no texto.

Abraço!